O editor me liga: “Professor, faça uma crônica sobre o seu melhor Natal”. Confesso que por essa eu não esperava. Meu melhor Natal? Se me pedisse o pior, a surpresa não seria menor. Rigorosamente, nunca tive um Natal nem melhor nem pior. Explico: onde nasci, sertão do Caracol, o Natal não tinha a menor importância: era um dia como outro qualquer. Puxando pela memória, lembrei-me que, certa feita, apareceu em nossa casa um grupo de tiradores de reis. Acho que vinha da Jurema. Um velho com um violão estropiado, um rapaz com um pandeiro e meia dúzia de mulheres. Cantavam a velha toada: “Ô de casa! Ô de fora! Menina, vai ver quem é…” Não sei exatamente a que hora chegaram: no sertão, dormíamos muito cedo, e o relógio era um galo madrugador. Seu Liberato, avesso a essas vadiações, levantou-se aborrecido, mas dona Purcina, festiva e festeira, desmanchou-se em gentilezas e tratou de fazer café que serviu com bolo-frito e beiju… No dia seguinte, uma tia explicou: “É Natal: começo da festa dos Santos Reis” e mais não disse.
Algum tempo depois, num final de ano, dona Purcina, ao regressar de São Raimundo Nonato, trouxe dois balõezinhos – um vermelho, outro amarelo – para mim e para minha irmã mais nova. Ao nos entregar aquelas preciosidades afirmou: “Presente de papai Noel”. Foi a primeira vez que ouvi falar do velho cretino. Como o Noé que eu conhecia era um sujeito bastante chato, recebi o presente ressabiado. Chamar um velhaco daqueles de “papai” me pareceu um desrespeito. O balãozinho estourou em poucos minutos e esqueci-me do responsável pelo mimo.
Quando me transplantaram para a cidade, descobri um monte de coisas ruins, entre elas o Natal. Na capelinha da Aldeia, o padre Nestor anunciava, com voz impostada, o nascimento do “Menino Salvador”. Eu não podia entender como um menino nascido numa manjedoura poderia salvar o mundo. Continuo não entendendo. Nas casas dos bem-nascidos, armavam-se presépios, que chamavam de lapinha: o boi, um burrico, um velho e uma mulher jovem olhando para o menino de braços abertos… Na igreja matriz, havia a missa do galo, que nunca fui: era muito tarde para um moleque de calças curtas. Que pena! Era o único dia em que as moças decentes podiam permanecer fora de casa depois da meia-noite. Segundo os mais velhos, rolavam coisas…
Como tempo, minha antipatia pelo Natal só aumentou. Trata-se da mais cruel das invenções do capitalismo. Uma festa puramente comercial, recheada de obrigações, a mais triste delas: a de parecer feliz. Tudo no Natal é empulhação. Nem mesmo o dia, segundo os entendidos, corresponde ao do nascimento de Cristo. As cores, as luzes, as musiquinhas enjoadas, as mensagens pré-fabricadas e os presentes que, quase sempre, desagradam…
Parece que escrevi uma crônica digna do Natal: aborrecida do princípio ao fim. Fecho com o verso cortante de Tobias Barreto: “De que foi que Jesus salvar-nos veio?”.