Na pele escura de seu Francisco, a água milagrosa misturava-se ao suor,ensopando-lhe a camisa. Quando lhe perguntei como se sentia, respondeu sorrindo: “Abençoado. Moro em Água Branca e, todos os anos, venho à Santa Cruz dos Milagres. Quando chego a Barro Duro, meu coração começa a se alegrar… Esta água,moço, serve pra tudo: pra beber,pra banhar, pra curar… Só não pode ser usada pra cozinhar nada”.Diante do meu espanto, explicou didaticamente: “Não se ferve água milagrosa, não dá certo”.
Dona Conceição acendia um pacote de velas aos pés da cruz onde se depositam os ex-votos. Perguntei-lhe se recebera alguma graça. Com um ar de menina arteira, afirmou: “Recebi meia graça”. Diante do meu espanto, acrescentou: “Meia graça,moço, já é bem melhor do que graça nenhuma,não é mesmo?”. Impossível não concordar com ela.
Eis dois fragmentos de uma narrativa que se iniciou no final do século XIX, na Fazenda Jatobá, situada no município de Valença. Reza a lenda que, saído não se sabe de onde, apareceu na região um beato errante.Depois de uma breve conversa com o vaqueiro da fazenda,fincou uma rústica cruz de madeira no topo de um morro. Em seguida, levou o vaqueiro a uma encosta de onde jorrava um filete d’água,até então desconhecido. Teria,então, afirmado: “Esta água é santa e vai curar muita gente do povo de Deus”.
Dias depois, a comprovação da profecia: a filha do vaqueiro caiu doente, doente de não ter cura. O vaqueiro levou-a ao olho d’água, deu-lhe um banho e a garota voltou curada. A história correu mundo, e Santa Cruz dos Milagres tornou-se o terceiro santuário mais visitado do Nordeste.
Na semana passada, aconteceu, no lugar, o maior de todos os milagres ocorridos até agora: a inauguração de um templo monumental, com capacidade para acomodar uns 4 mil peregrinos. No final de sua fala, o vigário da igreja afirmou: “Este templo foi construído sem um centavo de dinheiro público. Cada tijolo,cada telha,cada pedra posta aqui se deu pelo milagre das esmolas depositadas por vocês”. Por pouco ,o templo não ruiu, tal o barulho dos aplausos…
Nada sei de milagres, mas posso garantir que nunca vi nada parecido. Num lugar áspero, sem nenhuma infraestrutura, umas 30 mil pessoas disputavam um espaço para participar da maior festa religiosa já vista no Piauí. Segundo Borges,”Quando nada estiver acontecendo, é porque um milagre já aconteceu”. Seguramente, naquela abafada manhã de janeiro, muitas coisas aconteceram, logo…