Certa feita, em Fortaleza, a bailarina e coreógrafa Dora Andrade me fez um pergunta desconcertante: “Amigo, por que, em nosso país, só se oferecem aos pobres opções muito pobres?”. A resposta adequada seria: para que se perpetue a pobreza. Mas na hora, a única coisa que me ocorreu foi a lembrança do conjunto habitacional “Deus Quer”,na periferia de Teresina. Construído no leito de uma lagoa, o conjunto tinha (não sei se mudou) algo extraordinário: o permanente “choro do chão”, como afirmou uma moradora. Infiltrações nas paredes e piso molhado o ano inteiro eram as características mais visíveis naquele punhado de casinhas miseráveis. Ouvi de um dos assessores do governador que construiu o conjunto uma afirmação elucidativa: “Para quem não tinha nada, já estão é pegando o boi”. Carece dizer mais?
Pra quem não sabe, Dora Andrade é a diretora da EDISCA (Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes), uma ONG voltada para crianças em situação de risco. Dora tem como filosofia de trabalho: “Para romper o ciclo da miséria, é preciso oferecer opções ricas aos mais necessitados”. Com seu jeitão de mãezona sertaneja, acrescenta: “Se no processo de seleção, tivermos duas crianças com o mesmo desempenho em termos de dança, terá preferência a mais pobre”. Quando visitei a escola, havia 400 crianças regularmente matriculadas e uma fila de espera do tamanho de Fortaleza. Na EDISCA, além de aulas de dança, as crianças têm assistência médica, dentária, psicológica e aulas de reforço e computação. Entre os espetáculos que Dora já apresentou pelo mundo destacam: “Jangurussu” e “Duas Estações”.Tive a felicidade de assistir aos dois.Maravilhosos, para dizer o mínimo.Não por acaso, abiscoitaram prêmios em toda para, inclusive no exterior.
Por que me lembrei disso agora? Na semana passada, visitei a “Escola de Dança Santa Maria”, no Parque Brasil, um dos bairros mais pobres de Teresina. Lá, num espaço pequeno e desconfortável, um punhado de crianças, três vezes por semana, tem aulas de dança e, aos sábados, leituras de livros infantis. As crianças são tão pobres que a maioria nem dispõe de sapatilhas. Umas usam meias; outras dançam descalças. Ainda assim, ao primeiro acorde da música, vibram e dançam com enorme alegria. À frente do projeto, está o bailarino e coreógrafo Luís Carlos que largou praticamente tudo para cuidar da escola, uma ONG com dificuldades de toda ordem. Fiquei comovido com o que vi e prometi ajudá-lo a criar uma biblioteca na escola. Um convite: se você quiser participar desta ciranda luminosa, será muito bem-vindo.De uma forma ou de outra, anote aí: se quisermos mudar a cara e o coração deste país, precisamos propiciar pérolas aos pobres. O mais acontecerá naturalmente.