Tive a felicidade de ter sido aluno de Clemente Fortes, o magister dixit da Faculdade de Direito do Piauí. Senhor de uma inteligência fulgurante, quando falava, seus pares calavam-se para ouvi-lo. Com muita frequência, fazia comentários cortantes sobre os escândalos que enxovalhavam a nação. Terminava sua peroração com a sentença: “Esta República vai mal. Muito mal”.
Mestre Clemente não viveu o bastante para assistir ao esboroamento da República, corroída pelos cupins da corrupção. Não sei como reagiria diante da desfaçatez dos que,apanhados com a mão na botija, limitam-se a dizer: “Meu único erro foi a ingenuidade”. Talvez se limitasse a citar os versos do famoso “Poema em linha reta”, de Fernando Pessoa: “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia”.
Dia desses, ouvi de um poeta amigo um comentário que traduz, com nitidez, o triste momento que vivemos: “Meu irmão, os caras não perderam a vergonha porque, na verdade, nunca a tiveram. Perderam foi a noção de pudor”. Tem razão: políticos de todos os matizes ideológicos chafurdam no lamaçal da corrupção como porcos à caça de trufa. Quando encontram alguma coisa, centavos ou milhões, abocanham com aquela fome típica dos que jamais se saciam…
Mas seríamos injustos se falássemos apenas dos políticos. No âmbito do judiciário, a situação não é menos vergonhosa. Delegados, promotores,juízes,procurados e até ministros do STF comportam-se como se estivessem num feira livre comprando chuchus. Manifestam-se destemperadamente sobre os mais diversos assuntos, mesmo sobre processos que tramitam em “em segredo de justiça”. Dia desses, o Procurador Geral da República pediu o afastamento de um dos Ministros do STF, alegando que a digníssima esposa do cidadão trabalhava no escritório contratado para defender um milionáriovendedor de ilusões. O dono da banca onde trabalha a mulher do Ministro brindou o Procurador com esta pérola:”Sicofanta, leviano, inescrupuloso e irresponsável”. E arrematou: “Ele desmerece a função que exerce. Leviano, inescrupuloso e irresponsável, não pode chefiar o nobre Ministério Público, hoje atuando corajosa e eficazmente contra a corrupção que tenta destruir o Brasil”. O procurador deu “o calado por resposta”,como diria o coronel da Chapada.
Pobre país, diria o velho mestre, onde figurões da República ignoram o princípio da independência e da harmonia entre os três poderes em troca de alguns segundos de “fama” . Encharcados de vaidade, já não cabem em si: vazam pelo ladrão.