Numa das esquinas da Chapada, encontrei-me com um ex-colega de Liceu. Estudamos juntos na remota década de 1960. Imberbe, o moço já demonstrava indeclinável vocação para o arrivismo. Extremamente ambicioso, maquinava planos. Como diria o poeta Dobal, tinha todas as más qualidades para vencer na vida. O tempo e os contratempos nos separaram. Fazia uma vida que eu não o via. Parece que fez boa colheita: frequentou a antessala do poder, ascendeu socialmente e amealhou uma pequena fortuna. Hoje, por simples força do hábito, continua abotoando e desabotoando braguilhas de poderosos…
Ao me ver, escancarou um sorriso, exibindo dentes encardidos de nicotina. “Meu velho camarada, que bom te ver”. Retribuí a gentileza e, como sempre, preparei-me para a fuga. O moço-velho me reteve: “Sei que você é extremamente franco, posso usar de franqueza com você?”. Sem esperar a resposta, disparou: “ Você é a pessoa mais besta que já conheci”. Não pude deixar de sorrir. Lembrei-me dos versos de Manoel de Barros: “Por essa pequena sentença/ me elogiaram de imbecil./ Fiquei emocionado e chorei./ Sou fraco para elogios” Acho que o meu sorriso o desarmou. Declarou, com ênfase: “ Com a competência e a capacidade de trabalho que você tem, poderia ser o que bem entendesse no Piauí. Poderia ter abraçado a carreira política e já seria,no mínimo, deputado federal. Se tivesse enveredado pela magistratura, desembargador, com certeza. Tivesse se dedicado à literatura com afinco, já estaria na academia”. Fez uma pausa e concluiu: “Abriu mão de tudo isso para ficar fazendo besteiras em Teresina”. Voltei a sorrir e afirmei: você fez um belo diagnóstico da minha pessoa. Poderia apenas ter sido mais sintético: um animal inservível para as coisas rentáveis.
O cidadão fez menção de se retirar, mas eu o detive. Meu camarada, por favor, assunte: os que vendem a alma ao diabo para ganhar dinheiro, subir na vida ou conquistar o poder, só o fazem para comprar prazeres. Comprar apartamentos, carros, joias, coisas tangíveis. Alguns mais sofisticados empreendem viagens pelo mundo afora ou colecionam amantes. Tudo isso custa caro. Digamos que eu, em vez de me matar para ganhar dinheiro e comprar prazer, eu encontre prazer nas “besteiras” que faço. Então, estou no lucro. Vou te dar um exemplo: certa feita, recebi convite para participar de um seminário na Líbia, com direito a voltar por Roma, Paris, Espanha, tudo bancado pelo Kadafi. Declinei da honraria. Pouco depois, fui convidado para levar o projeto A Cara Alegre do Piauí a Guaribas. Sem pestanejar, aceitei. O cidadão meneou a cabeça com um gesto de desaprovação e concluiu: “Você é incorrigível, camarada”. Eu acrescentei: Edison do Ministério de Nossa Senhora, um louco que vivia na casa de dona Purcina, afirmava: cada um para o que nasce. Nada além.