Enquanto vivi no sertão do Caracol, a exemplo dos adultos ( a exceção era seu Liberato, que não caçava), eu matava ou tentava matar tudo o que se pudesse comer. De teiú a rabudo, um ratão encorpado, nada escapava. Para sorte dos bichos, eu tinha péssima pontaria. Mas matei e comi até mambira
Quando me transplantaram para São Raimundo Nonato, comprei uma espingardinha ( bate-bucha) e me tornei o terror dos bichos miúdos: preás,rolinhas, nhambus,juritis e o que mais se movesse à minha frente. Caçar era o principal “esporte” da cidade.
Um dia, o irmão mais velho comprou uma espingarda Boito, de grosso calibre, “uma máquina mortífera”. De posse da arma, tornei-me mais feroz. Certa feita, só para testar a eficiência da espingarda, atirei num sagui no alto de um angico. Ao ver o animalzinho se contorcendo no chão, tive violenta crise de remorsos. De repente, me dei conta de que já não estava matando por necessidade de proteínas. Estava aprendendo a matar por prazer. Sem pestanejar aposentei, de uma vez por todas, a espingarda e o caçador que me habitava. Graças ao meu exemplo, um cunhado, o Zé do Vito, dono de uma pontaria letal, desistiu de matar e se fez protetor dos animais. Num sítio que tinha nos arredores da cidade, não permitia que se matassem nem as cobras. Com xerém e água, promovia diariamente banquete para os passarinhos.
Em Teresina, na remota década de 1970, eu já me esgoelava em defesa do Parnaíba, das árvores e dos bichos do Piauí. Na companhia de Alcide Filho, Paulo Machado, Fernando Costa e outros companheiros, pregávamos ao vento: “era inadiável salvar o Planeta”. Não salvamos ninguém, mas colecionamos títulos: “ecochatos”, “ecoburros” e outros impublicáveis.
Em janeiro de 1980, lançamos o Primeiro Manifesto Ecológico do Piauí na Praça Pedro II. À época, ecologia era coisa de “poeta desocupado”. Depois, tornou-se um negócio rentável: rende votos, dinheiro, cargos. Aí surgiram as fundações, as ONGs, o Partido Verde e outros embustes.
Por que estou relembrando essas bobagens? Bem, dia desses, encontrei-me com um médico que integra um grupo de “caçadores esportivos”. Segundo o esculápio, caçam “por esporte e para livrar-se do estresse do trabalho”. Escapa ao meu entendimento a ideia de um médico caçador. Para mim, é inaceitável um profissional preparado para salvar vidas sair por aí exterminando animais selvagens. Sugeri ao cidadão que comprasse um par de luvas, procurasse uma academia de boxe, estampasse, no saco de treinamento, as fotos dos desafetos e soltasse o braço. Os efeitos seriam menos danosos ao meio ambiente. Ele se limitou a sorrir. Foi aí que me lembrei da frase cáustica do Millôr: “O homem é o câncer da Natureza”. Dolorosa verdade.