Quando o conheci, era apenas um garoto magro, de cabelos compridos, e olhos que pareciam comportar as dores do mundo. Calado, não se associava aos colegas de classe nas brincadeiras ruidosas. O desempenho escolar estava bem acima da média. Mantinha pelas ciências exatas o mesmo interesse que nutria pela literatura. Parece que não gostava de inglês. Foi procurando um manual de física, na biblioteca pública, que descobriu a poesia de H.Dobal.
Certa manhã, depois da aula, me procurou e, timidamente, me perguntou se eu poderia ler um poema de sua autoria. Tirou do bolso uma folha com um poema datilografado com tinta azul. O título do texto – “Antífona” – não se enquadrava no tipo de “poesia” feita por adolescentes. O poema lembrava, ainda que vagamente, algum dos poetas da Geração Beat . Não fiz nenhum comentário. Pedi-lhe que me trouxesse outro. Ele me trouxe mais três, todos do mesmo nível. Fiz a única coisa que me cabia fazer: publiquei-os no Jornal O Estado. O mais é sabido: o moço tornou-se uma das figuras mais consequentes da moderna poesia piauiense.
Estudou Medicina até o dia em que, ao entrar no necrotério, deparou-se com um cadáver despido com um pedacinho de papel numerado, amarrado no dedão do pé. Desistiu da Medicina, formou-se em Direito. Podendo ter-se tornado um magistrado ou jurista de renome, fez-se defensor público, ou seja, um advogado dos desvalidos do mundo.
Ao ler o poema “El Matador”, de Dobal, resolveu estudar a fundo as causas e as consequência do extermínio dos índios em solo piauiense. O resultado está em “As Trilhas da Morte”,um livrinho que alimenta a “sabedoria” dos doutores no assunto. Irrequieto, passou a pesquisar a questão fundiária no Piauí. Resultado: denúncias muito sérias e umas duas ameaças de morte. Construiu, até agora, uma obra poética bem pequena: “Tá pronto, seu lobo?” e “A paz do pântano”, livros essenciais.
Com sua indeclinável vocação para as coisas não rentáveis, associou-se a mim em projetos “inviáveis”: a defesa do meio ambiente, a edição de livros de autores piauienses, a divulgação da cultura onde exista alguém disposto a nos ouvir.
Para mim, Paulo Machado é mais que um irmão; é um companheiro que nunca pergunta “aonde vamos?” . Embarca na canoa (às vezes, furada) e segue remando contra a corrente. Na “hora do porto e da barra”, sabemos que ele estará conosco.