(entrevista a Francisco Magalhães)
Com licença poética,se ele fosse uma árvore, o corpo ancião seria um xique-xique, resistindo no semiárido,às secas dos sertões de dentro do Piauí. E a velha alma, um frondoso ipê florindo de amarelo, quem sabe roxo, talvez rosa ou mesmo branco,o chão e o céu da Chapada do Corisco. Confira abaixo, o diálogo do jornal Diário do Povo com o caçador de conversas Cineas Santos, poeta nas horas plenas, amigo nas horas vagas, professor nas horas vigas. E ainda contista e editor, livreiro e agitador cultural e….
FM– O senhor tem livros públicos por editoras nacionais que são adotados em outros Estados. Por que isso não ocorre no Piauí?
CS – Santo de casa não faz milagre. Até Cristo se queixou disso. Algumas escolas do Piauí adotam meus livros. Oeiras,por exemplo, escolheu-me para ser o escritor homenageado da FLOR (Feira Literária do Livro de Oeiras) deste ano. Uma honra,uma alegria.Infelizmente, o Estado e a Prefeitura não entenderam ainda que é necessário estudar os autores da terra. Não estou falando de mim,mas de todos os que se dedicam à “luta mais vã”.
– O projeto editorial da Academia Piauiense de Letras é uma boa notícia cultural?
– Com certeza. Estão editando autores que estavam completamente esquecidos. Um bom projeto
– Tem alguma chance das atividades da livraria e editora Corisco voltarem?
– A Corisco, para mim, é só aporrinhação. Dívidas e tristezas. Faço o possível para esquecê-la, mas os credores não deixam.
– A obra do poeta H. Dobal já está caindo no poço do esquecimento?
– O risco existe. As obras do poeta já estão esgotadas.Cabe à família cuidar disso.Quanto a mim, fiz o que pude,
– Tem de plano de publicar algum novo livro?
-Tenho três a caminho. Em setembro, sai Cambalhotas pra ninguém, um punhado de crônicas mais líricas,mais alegres
– As leis de incentivos culturais da prefeitura e do governo do Estado estão funcionando?
-Até onde sei, a Lei A.Tito Filho ainda não foi retomada. O SIEC está funcionando e este ano tem novidades. Há muitos projetos inscritos. Mas tudo isso precisa ser ampliado.
– A antologia “Baião de Todos” tem um bom nível poético?
–Baião de todos não é uma antologia; é uma coletânea.É mais um registro do que se faz em matéria de poesia,hoje, no Piauí.São 48 poetas
– Atualmente, quem faz boa poesia no Piauí?
– Tem uma molecada bastante esperta escrevendo poesia no Piauí. Para o meu gosto, Demetrios Galvão é a melhor surpresa. Mas há muitos outros.
– O projeto “Cara Alegre do Piauí” continua atuante?
-Com a graça de Deus, deve voltar em agosto.Esse projeto me é muito caro.
– O Brasil é uma crise em forma de país?
– Boa parte dessa crise é fabricada.O Millôr tem uma frase genial: “Todo mundo diz que o Brasil é um gigante à beira do abismo.O que ninguém diz é que a solução pode estar justamente no abismo”(estou citando de memória). Anote aí: quando prenderem o Lula, os donos do poder cuidarão de pôr o circo nas praças.
– O senhor foi candidato a vice-prefeito de Teresina pelo PT. O partido o decepcionou?
– Não tenho vocação nem disciplina para me prender a partidos políticos. O PT está pagando o preço pelas alianças que fez.Criou enormes expectativas que,por uma série de razões,não se cumpriram, Precisa se reinventar.
– No programa que apresenta na TV Cidade Verde tem feito algumas “descobertas” do nosso patrimônio histórico. Quais os principais?
-Faça um programa com os recursos de que disponho.Minha proposta é mostrar aspectos do Piauí aos piauienses. O Casarão dos Pires, em Esperantina,acredite, é a minha maior alegria. Estou ajudando a salvá-lo.
– O povo piauiense merecia uma “elite” melhor ou ele é nosso maior patrimônio?
-Não gosto da palavra elite. No caso do Piauí, os governantes e a classe empresarial têm a cara do Piauí. Não são piores nem melhores que o nosso povo.
– O Salipi terá condições de sobrevivência?
-Não sei.Hoje, o SALIPI sobrevive graças a obstinação de Kássio Gomes e de um punhado de abnegados.Uma hora, essa gente pode cansar.Temo pelo destino do Salão.
– Suas últimas leituras por prazer, quais foram?
– Mia Couto tem ocupado o meu tempo. Um escritor do tamanho da África
– O senhor é um, digamos assim, “amigo-dependente”. Amizade é quase poesia?
– A amizade é poesia em estado puro.Sou um “dependente químico” dos meus amigos. No caso das amigas… Melhor não dizer nada.
– O cidadão Cineas é apaixonado por Teresina. Essa paixão é correspondida?
– É uma relação, às vezes,complicada,cheia de arestas. Mas amo Teresina e me sinto acolhido e respeitado aqui. Não é pouco para alguém do meu tope.
– Fábio Novo como secretário estadual de Cultura é uma surpresa agradável?
– Fábio Novo é um gestor de mão cheia.Não me lembro de nenhum outro secretário de cultura tão eficiente.
– A qual político o senhor daria um voto de confiança?
-Hoje, está muito complicado.Mas sou um lírico: eu acreditei até na volátil Marina…
– Qual sua visão sobre o ódio das discussões nas redes sociais?
-Honestamente,não me afetam. Acho estranho que pessoas se agridam de forma tão violenta.Os meus “amigos” me conhecem,me respeitam .Para mim, as redes sociais são uma alegria. Tenho encontrado pessoas extraordinárias no Facebook.
– Por que o feminicídio é tão devastador no Piauí?
– Eu não saberia explicar. Sou,todo mundo sabe, o filho de dona Purcina.Minha relação com as mulheres é regada a carinho, a delicadeza.Salgado Maranhão tem razão: “Quem mata a mulher mata o melhor da vida”.Precisamos cuidar disso,punir os agressores de forma exemplar.
– Nascido no sul extremo do Piauí, é favorável à divisão do Estado?
– Já fui absolutamente contra. Hoje,nem tanto. Teresina, a capital, não sabe ,por exemplo, onde fica Cristalândia nem o que acontece por lá.Mas isso é tema para uma discussão ampla,uma consulta popular.
– Operação Lava Jato. Qual sua opinião?
– Tem produzido muitas notícias,mas os “efeitos pedagógicos” têm sido pífios.Os criminosos continuam atuando sem nenhum pudor. Não me agrada muito a figura do “justiceiro”,mas trata-se de um fato novo,algo que não se via no Brasil: poderosos na cadeia.
– Reformas do Governo Temer. Boas ou ruins?
-As reformas precisam ser feitas, mas a forma como a coisa está se processando é errática e perigosa.Um presidente acuado,enfraquecido, não tem cacife para fazer algo mais profundo.
– O livro sobreviverá aos que dizem que ele desaparecer?
-Não tenho dúvida. Mas o suporte papel será bem mais limitado.Logo surgirão novidades no mercado.Para mim,desde que se leia,pode até ser nas Tábuas de Moisés.
– Um local que o senhor se sente bem em Teresina. E no Piauí?
– Em Teresina,na minha casa.Você sabe que moro num quintal. No Piauí, gosto muito de Oeiras, de São João do Piauí.
– O rio Parnaíba é um cadáver flutuante. De quem é a culpa dessa morte?
– Infelizmente, o Rio Grande dos Tapuios está agonizando. Culpa nossa. Gustavo Dodt fez um relatório primoroso sobre a saúde do Parnaíba no século XIX. Infelizmente, não se fez nada.
– Presidir o Conselho Estadual de Cultura é mais trabalheira do que prazeria?
– Acredite: o Conselho vem realizando um bom trabalho; o clima entre os conselheiros e cordial e respeitoso. Quanto a mim, meu projeto é ampliar as ações do Conselho.Estamos conseguindo.
– Um sonho de consumo cultural coletivo para os teresinenses, qual seria?
– Uma biblioteca razoável em cada bairro da cidade. Sem livros, não se muda o mundo.
– Além de Donald Trump e da idiotice de jornalistas que fazem perguntas bobocas como essa, o senhor tem medo de quê?
-Tenho medo do Alzheimer,da invalidez, de depender dos outros. Nada além
– A Oficina da Palavra é a alma do corpo de sonhador?
-A Oficina da Palavra é uma amante cara, muito cara. Não sei por quanto tempo ainda poderei bancá-la.
– Já pensou em escrever romances?
– Já,mas,infelizmente,sou apenas o cronista de mim mesmo.Um romance exige tempo,paciência,competência.
– E em republicar alguns dos seus livros?
– O livro de dona Purcina já vai para a terceira edição.O menino que descobriu as palavras está na 22ª. Vamos ver até aonde podemos ir.
– Atualmente, ecologia é mais discurso politiqueiro e marquetismo demagógico do que militância séria?
– Desconfie de quem faz ecologia no quintal do outro. Além disso, o Partido Verde é um desastre,para dizer o mínimo.
– Há luz no começo, meio ou no fim do túnel da corrupção na política brasileira?
-A corrupção não é uma invenção brasileira. Lembrai-vos de Esaú e Jacó. Acho que, se os mecanismo jurídicos funcionarem, a coisa poderá tornar-se aceitável.
– A esquerda voltará a ter força na política brasileira?
– Não creio. O mundo deu uma guinada à direita.Como diria meu pai,”é geral”,
– Ser um cronista de província tem algum significado?
– Pra mim, é apenas um jeito de conversar com uns seis leitores. Não sou tão pretensioso quanto pareço. A crônica é,por natureza, um gênero efêmero.Estou no meu capital.
– O analfabetismo é uma “doença” causada pela política?
– Não só pela política, há outros fatores que interferem.Mas a má política perpetua esta doença cujas consequências se fazem sentir em todos os setores da vida.
– Quem priva de sua intimidade conhece seu bom humor. O que o entristece?
-O fato de ser feio além do razoável, de ser absolutamente franco, de ser honesto intelectualmente, isso desagrada a muita gente .Não faço o menor esforço para ser simpático. Mas quem me conhece sabe o quanto sou alegre e divertido. Me entristece a violência,notadamente, contra as crianças,os velhos,os animais, a Natureza. Sou um lírico incorrigível, como diria o Bandeira
– Se estivessem vivos, os seus pais – dona Purcina e seu Liberato – teriam orgulho do que o filho fez e continua fazendo o filho?
– Não sei. Seu Liberato me queria na roça, regando a terra com o suor do meu corpo. Dona Purcina me tinha em grande conta. Dizia, ingenuamente, “não tem ninguém mais sabido que o meu filho em Teresina”, coisa de mãe.